Aplicativo de locação de quartos ou de apartamentos inteiros faz parte das discussões condominiais, deixando muitas dúvidas em relação ao seu uso
Modelo presente na nova economia, o aluguel de uma unidade via aplicativos como o Airbnb está, cada dia mais, em alta nos condomínios residenciais do país. De um lado, condôminos que enxergam uma possibilidade de aumentar a renda disponibilizando um cômodo ou o apartamento inteiro por um curto período. De outro, condôminos preocupados com a segurança e a alta rotatividade de pessoas desconhecidas. E agora, quem está certo?
A Constituição Federal garante em seu art. 5º, inciso XXII, a inviolabilidade do direito de propriedade e o Código Civil estabelece no art. 1228 que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor do bem.
Contudo, o direito de propriedade não se trata de um direito absoluto, existindo algumas limitações como atender sua função social e respeitar o direito de vizinhança, impostas pela Constituição Federal (art. 5º, inciso XXIII e arts. 182, §2 º e 186 da Constituição Federal) e Código Civil (artigos 1277 a 1231 do Código Civil).
Especificamente em relação aos Condomínios edilícios o Código Civil estabelece no art. 1335, inciso I que são direitos de todos os condôminos “usar, fruir e livremente dispor de suas unidades” e no art. 1336, inciso IV, ao estabelecer os deveres dos condôminos, impõe as seguintes limitações: “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.”
Além do Código Civil estabelecer os direitos e deveres dos condôminos, existe ainda a Convenção Condominial (aprovada por no mínimo 2/3 das frações ideais) a qual possui força normativa e autonomia para definir as regras que atendam às necessidades específicas de seus condôminos (artigo 1.334 do Código Civil).
Logo, o direito de propriedade de imóveis em Condomínio sofre além das limitações impostas pela Constituição Federal e Código Civil, também as estabelecidas na Convenção condominial, ou seja, limitações a mais às quais os imóveis autônomos não estão sujeitos.
Diante dessas considerações, pode-se concluir que é direito do condômino usar, gozar e dispor livremente do seu imóvel, ou seja, tem ele o direito de locar seu imóvel, seja a longo prazo ou por temporada, desde que sejam cumpridos seus deveres como condômino de respeitar a destinação do imóvel, o sossego, salubridade e segurança dos demais condôminos, conforme limitações impostas pela Convenção do Condomínio.
O que diz a Lei
Atualmente, em virtude da frequente disponibilização das unidades privadas para locações por curtos ou curtíssimos períodos, por meio das plataformas digitais, têm crescido os questionamentos nos condomínios sobre a legalidade desse tipo de locação.
Essa preocupação ocorre, principalmente, em virtude de que esse tipo de locação gera uma alta rotatividade de pessoas nos condomínios, criando insegurança aos demais condôminos.
Em que pese exista em nosso ordenamento jurídico a chamada locação por temporada, prevista nos artigos 48 a 50 da Lei de Locações – Lei 8.245/1991 que consiste, basicamente, em locação por prazos inferiores a 90 dias e tem, segundo a lei, como finalidade a locação destinada à residência temporária para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, etc.
Existe também a Lei 11.771/2008 que regula o turismo e a atividade de hospedagem típica.
Portanto, a dúvida existente é se a exploração econômica de unidades privadas mediante locação por curtos períodos realmente se enquadraria numa locação por temporada ou se estaria mais equiparada a uma hospedagem?
Em 2021 o Superior Tribunal de Justiça decidiu nos julgamentos dos REsp 1.819.075 e REsp 1.884.483 que a relação jurídica estabelecida na locação de unidades por meio de aplicativos se configura como um contrato atípico de hospedagem, não se equiparando aos serviços de hospedagem oferecidos por hotéis e pousadas já que não cumpre os requisitos essenciais para ser caracterizado como tal, inexistindo qualquer estrutura, profissionalismo ou serviços suficientes, exigidos pela Lei, como também não se equiparam aos contratos de locação temporária porque falta ao ocupante do imóvel a intenção de estabelecer residência no local.
Assim, a conclusão do STJ nestes casos, foi de que esse tipo de locação não é compatível com a destinação exclusivamente residencial atribuída aos condomínios, logo é possível que os Condomínios, por maioria qualificada dos votos, proíbam a locação por curta temporada.
Vale destacar que os casos julgados pelo STJ foram de situações específicas e não se trata de decisões vinculantes, ou sejam, não obriga que casos semelhantes sigam o mesmo entendimento.
Além disso, o STJ não tem função de legislar, apenas de uniformizar a interpretação das leis federais.
Infelizmente, como demonstrado, não existe ainda uma Lei específica que regulamente esse tipo de locação e nem mesmo o judiciário pacificou nenhum entendimento a respeito do tema. As decisões tomadas pelo STJ têm servido apenas como um parâmetro para outras decisões.
Lembrando, porém, que existem inúmeras situações diferentes dos casos julgados. Existem Convenções com diferentes previsões ou proibições quanto a esse tipo de locação, assim como existem diferentes formas de locação por meio das plataformas digitais.
Por ora, tramita no Senado o Projeto de Lei nº 2.474/2019, de autoria do senador Angelo Coronel, que propõe a alteração da Lei nº 8.245/1991 para inserir o art. 50A nos seguintes termos: “É vedada a locação para temporada contratada por meio de aplicativos ou plataformas de intermediação em condomínio edilícios de uso exclusivamente residencial, salvo se houver expressa previsão na convenção de condomínio prevista no art. 1.333 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).”
Enquanto não houver uma regulamentação pelo Poder Legislativo, caberá a cada Condomínio lidar com a situação da melhor forma.
Como regulamentar ou proibir no Condomínio
O que se verifica atualmente é a preocupação dos condôminos inseguros com alta rotatividade de pessoas estranhas no Condomínio, inclusive com acesso ilimitado à todas as áreas comuns, além da utilização indevida de serviços dos porteiros e/ou zeladores para atender a constante entrada e saída de pessoas no Condomínio, dentre outras situações geradas por esse tipo de locação.
Em virtude disso e considerando que ainda não existe uma regulamentação sobre o assunto, cabe a cada Condomínio, a fim de evitar dúvidas e entendimentos conflitantes, definir as regras de acordo com as suas necessidades específicas.
É importante que conste na Convenção do Condomínio especificamente sobre a possibilidade ou a proibição desse tipo de locação por curtos período ou por aplicativos.
Convenções mais antigas não possuem esse tipo de previsão, cabendo ao síndico convocar assembleia para discutir a questão e, respeitado o quórum para alteração da Convenção, estabelecer claramente sobre a possibilidade ou a proibição desse tipo de locação.
A utilização desse modo de locação, sem a autorização expressa do Condomínio pode ser considerada, conforme o entendimento adotado pelo Condomínio, infração à finalidade do Condomínio, acarretando nas penalidades previstas no art. 1.337 do Código Civil.
Por outro lado, se esse tipo de locação for permitida no Condomínio, é importante que o Regimento Interno também estabeleça claramente as regras, tais como: obrigação de informar o Condomínio formalmente e com antecedência sobre a locação, com os dados dos inquilinos e documentos; obrigação de divulgar as regras do Condomínio aos inquilinos; estabelecer quais infrações às regras do condomínio ou danos causados pelos inquilinos serão cobrados diretamente dos proprietários; proibir que os empregados do condomínio sejam usados para receber os inquilinos ou manterem a guarda das chaves.
Ter regras claras e definidas na Convenção do Condomínio e Regimento Interno pode prevenir conflitos e melhorar a convivência e harmonia entre os condôminos.
23/02/2024 | Categorias: Administração de Condomínios Vida de Síndico Vida em Condomínio